Eu que me comovo
Por tudo e por nada
Deixei-te parada
Na berma da estrada
Usei o teu corpo
Paguei o teu preço
Esqueci o teu nome
Limpei-me com o lenço
Olhei-te a cintura
De pé no alcatrão
Levantei-te as saias
Deitei-te no banco
Num bosque de faias
De mala na mão
Nem sequer falaste
Nem sequer beijaste
Nem sequer gemeste,
Mordeste, abraçaste
Quinhentos escudos
Foi o que disseste
Tinhas quinze anos
Dezasseis, dezassete
Cheiravas a mato
À sopa dos pobres
A infância sem quarto
A suor, a chiclete
Saíste do carro
Alisando a blusa
Espiei da janela
Rosto de aguarela
Coxa em semifusa
Soltei o travão
Voltei para casa
De chaves na mão
Sobrancelha em asa
Disse: fiz serão
Ao filho e à mulher
Repeti a fruta
Acabei a ceia
Larguei o talher
Estendi-me na cama
De ouvido à escuta
E perna cruzada
Que de olhos em chama
Só tinha na ideia
Teu corpo parado
Na berma da estrada
Eu que me comovo
Por tudo e por nada
António Lobo Antunes
7 comentários:
Adoro tudo o que consegui ler deste homem. o resto fca para quando eu for intelectual! :)
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pôxa, deste poema já só me lembrava do "eu que me comovo por tudo e por nada". obrigada obrigada
E Lobo Antunes aqui em baixo! Ai ai... de caminho sou eu que me comovo por tudo e por nada. :p *
Desconhecia esta faceta "curta" do Lobo Antunes. Ainda maior, talvez... **
O momento mais alto da minha carreira literária foi quando, na casa de banho da reitoria da universidade de évora, olhei para o urinol ao lado e vi que estava a mijar ao lado do Lobo Antunes. Foi um momento muito bonito, que hei-de lembrar para sempre :)
Os discos do vitorino com as músicas dele são brutais. Lhasa também é muito fixe.
abraço
bom demais, sim senhor :)
loba escrita
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