E agora eu vou-me embora
e embora a dor
não queira ir já embora
agora eu vou-me embora
e parto sem dor
Sérgio Godinho
Trago dentro de mim
o peso de um fruto exógeno
como uma pedra
que floresce
para servir de lastro
à boca
vou
esboroando as mãos, as-per-gin-do--as
no sangue
até que cada dedo
seja um perfume - a latejar
num gesto interminável.
vou
como um homem-debruado-a-fogo
à procura
da sua própria sede
e que avança para mar alto
içado
na luminosidade
da sua loucura
até que se torne
numa imagem sereníssima
que resvale - imperturbável
pelas frágeis encostas
do mundo.
segunda-feira, 13 de agosto de 2007
sexta-feira, 10 de agosto de 2007
Radiograma
quinta-feira, 9 de agosto de 2007
quarta-feira, 8 de agosto de 2007
terça-feira, 7 de agosto de 2007
segunda-feira, 6 de agosto de 2007
Homens que são como lugares mal situados
Sei que o homem lavava os cabelos como se fossem longos
porque tinha uma mulher no pensamento
sei que os lavava como se os contasse.
Sei que os enxugava com a luz da mulher
com os seus olhos muito claros voltados para o centro
do amor, na operação poderosa
do amor.
Sei que cortava os cabelos para procurá-la
sei que a mulher ia perdendo os vestidos cortados.
Era um homem imaginado no coração da mulher que lavava
o cabelo no seu sangue.
na água corrente.
Era um homem inclinado como o pescador nas margens para ouvir
e a mulher cantava para o homem respirar.
Daniel Faria
Homens que são como lugares mal situados
sexta-feira, 3 de agosto de 2007
XII
Bernardo é quase árvore.
Silêncio dele é tão alto que os passarinhos ouvem
de longe.
E vêm pousar em seu ombro.
Seu olho renova as tardes.
Guarda num velho baú seus instrumentos de
trabalho:
1 abridor de amanhecer
1 prego que farfalha
1 encolhedor de rios - e
1 esticador de horizontes.
(Bernardo consegue esticar o horizonte usando três
fios de teias de aranha. A coisa fica bem
esticada.)
Bernardo desregula a natureza:
Seu olho aumenta o poente.
(Pode um homem enriquecer a natureza com a sua
incompletude?).
Manoel de Barros
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