quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

3 Poemas de João Cabral de Melo Neto

Aquele rio

Aquele rio
está na memória
como um cão vivo
dentro de uma sala.
Como um cão vivo
dentro de um bolso.
Como um cão vivo
debaixo dos lençóis,
debaixo da camisa,
da pele.

Um cão, porque vive,
é agudo.
O que vive
não entorpece.
O que vive fere.
O homem,
porque vive,
choca com o que vive.
Viver
é ir entre o que vive.

O que vive
incomoda de vida
o silêncio, o sono, o corpo
que sonhou cortar-se
roupas de nuvens.
O que vive choca,
tem dentes, arestas, é espesso.
O que vive é espesso
como um cão, um homem,
como aquele rio.

(...)


*


2

já me matei faz muito tempo
me matei quando o tempo era escasso
e o que havia entre o tempo e o espaço
era o de sempre
nunca mesmo o sempre passo

morrer faz bem à vista e ao baço
melhora o ritmo do pulso
e clareia a alma

morrer de vez em quando
é a única coisa que me acalma



*


4 e 5

LÁPIDE 1
epitáfio para o corpo
.
Aqui jaz um grande poeta.
Nada deixou escrito.
Este silêncio, acredito
são suas obras completas.



4 comentários:

Unknown disse...

Os dois últimos sao autênticas lições de poesia... muito bonitos, mesmo!

Queen Frog disse...

brutais.
n conhecia este poeta.brigada*

V. disse...

morrer de vez em quando
é a única coisa que me acalma.


já conhecia isto. e ia jurar que tinha sido aqui que tinha lido. antes.

*

Anónimo disse...

off post : resolução de ano novo cumprida: sim eu mascarei-m d amy winehouse!!!! lololol


mas n partilhei...digamos que sou mt envergonhada... =P