quinta-feira, 18 de outubro de 2007
3 poemas de João Luís Barreto Guimarães
Trinta
Hoje aconteceu-me mais um cabelo branco
(não sei se tinhas dado com este:)
fica
mesmo ao lado da risca entre os
vinte e nove e
os trinta. O
dia de amanhã já existe ora
(a hora nas agendas)
lembra uma camisa limpa que
drapeja ao secar
(cada dia que me aceita
propõe
novo recomeço).
Todos temos uma alma gémea
frente ao espelho
tinha feito 15 anos
(hoje acatei outros quinze)
foi sempre no gesso da idade
que
assinei o poema.
*
1 de Fevereiro
A mesa do casal de idosos guarda agora apenas um.
Está vestido de negro, e eu não consigo evitar a imagem da mulher,
sentada ainda a seu lado, servindo-lhe chá e torradas
ou aparecendo atrasada repetindo como há anos o fiel toque de lábios,
desculpando-se num sorriso pela demora na quermesse.
Agora é apenas ele quem cumpre o ritual das torradas
que barra e pousa num prato à frente do fantasma dela.
Alguém lhe vai ter que dizer que ela já foi à frente.
Alguém lhe vai ter que lembrar que ele é quem está atrasado.
*
4 de Abril
Um pingo de café desliza pela base da chávena
e cai sobre o papel onde escrevo.
Acidente de trabalho.
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2 comentários:
"acidente de trabalho" :) há sempre algo que surpreende
A escolha destes poemas, bem como a sua sucessão, está excelente.
Gosto particularmente do segundo.
Aquilo tão pouco e frágil e breve que somos assusta-me e comove-me simultaneamente.
Alguém lhe vai ter que lembrar que ele é quem está atrasado.
Ohhh! O que dizer desta frase? Bela, muito bela, sem dúvida.
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