quinta-feira, 20 de dezembro de 2007
quarta-feira, 19 de dezembro de 2007
domingo, 16 de dezembro de 2007
sexta-feira, 14 de dezembro de 2007
A pedido de uma certa menina trágica*, fui ao baú desempoeirar 3 poemas...
Já não sei se quando escrevo
por desejo ou cobardia
também me decalco, me inscrevo
ou se é pura heresia
*
O poema entristece
a tua tristeza.
Mais triste,
é não saber
como calar o poema.
*
Viajo para sul
em direcção à tua boca
e risco no céu o voo das aves
com os braços em debanda
não vôo,
mas sou tão volátil
quanto elas.
terça-feira, 11 de dezembro de 2007
Ardem as perdas
domingo, 9 de dezembro de 2007
Au revoir simone, bienvenue Nouvelle vague
O lugar em que temos razão
quinta-feira, 6 de dezembro de 2007
Tu estás aqui
Estás aqui comigo à sombra do sol
escrevo e oiço certos ruídos domésticos
e a luz chega-me humildemente pela janela
e dói-me um braço e sei que sou o pior aspecto do que sou
Estás aqui comigo e sou sumamente quotidiano
e tudo o que faço ou sinto como que me veste de um pijama
que uso para ser também isto este bicho
de hábitos manias segredos defeitos quase todos desfeitos
quando depois lá fora na vida profissional ou social só sou um nome e sabem
o que sei o que faço ou então sou eu que julgo que o sabem
e sou amável selecciono cuidadosamente os gestos e escolho as palavras
e sei que afinal posso ser isso talvez porque aqui sentado dentro de casa sou
outra coisa
esta coisa que escreve e tem uma nódoa na camisa e só tem de exterior
a manifestação desta dor neste braço que afecta tudo o que faço
bem entendido o que faço com este braço
Estás aqui comigo e à volta são as paredes
e posso passar de sala para sala a pensar noutra coisa
e dizer aqui é a sala de estar aqui é o quarto aqui é a casa de banho
e no fundo escolher cada uma das divisões segundo o que tenho a fazer
Estás aqui comigo e sei que só sou este corpo castigado
passado nas pernas de sala em sala. Sou só estas salas estas paredes
esta profunda vergonha de o ser e não ser apenas a outra coisa
essa coisa que sou na estrada onde não estou à sombra do sol
Estás aqui e sinto-me absolutamente indefeso diante dos dias.
Que ninguém conheça este meu nome
este meu verdadeiro nome depois talvez encoberto noutro
nome embora no mesmo nome este nome
de terra de dor de paredes este nome doméstico
Afinal fui isto nada mais do que isto
as outras coisas que fiz fi-las para não ser isto ou dissimular isto
a que somente não chamo merda porque ao nascer me deram outro nome
que não merda
e em princípio o nome de cada coisa serve para distinguir uma coisa das
outras coisas
Estás aqui comigo e tenho pena acredita de ser só isto pena até mesmo de dizer que sou só isto como se fosse também outra coisa
uma coisa para além disto que não isto
Estás aqui comigo deixa-te estar aqui comigo
é das tuas mãos que saem alguns destes ruídos domésticos mas até nos teus gestos domésticos tu és mais que os teus gestos domésticos
tu és em cada gesto todos os teus gestos
e neste momento eu sei eu sinto ao certo o que significam certas palavras como
a palavra paz
Deixa-te estar aqui perdoa que o tempo te fique na face na forma de rugas
perdoa pagares tão alto preço por estar aqui perdoa eu revelar que há muito pagas tão alto preço por estar aqui
prossegue nos gestos não pares procura permanecer sempre presente
deixa docemente desvanecerem-se um por um os dias
e eu saber que aqui estás de maneira a poder dizer
sou isto é certo mas sei que tu estás aqui.
Ruy Belo
quarta-feira, 5 de dezembro de 2007
Au revoir simone (para consumo light)
Não dizia palavras
Não dizia palavras,
Aproximava apenas um corpo interrogante,
Porque ignorava que o desejo é uma pergunta
Cuja resposta não existe,
Uma folha cujo ramo não existe,
Um mundo cujo céu não existe.
Entre os ossos a angústia abre caminho,
Entre os ossos a angústia abre caminho,
Ergue-se pelas veias
Até abrir na pele
Jorros de sonho
Feitos carne interrogando as nuvens.
Um contacto ao passar,
Um contacto ao passar,
Um fugidio olhar no meio das sombras,
Bastam para que o corpo se abra em dois,
Ávido de receber em si mesmo
Outro corpo que sonhe;
Metade e metade, sonho e sonho, carne e carne,
Iguais em figura, iguais em amor, iguais em
desejo.
Embora seja só uma esperança,
desejo.
Embora seja só uma esperança,
Porque o desejo é uma pergunta cuja resposta
ninguém sabe.
ninguém sabe.
Luis Cernuda
domingo, 2 de dezembro de 2007
sábado, 1 de dezembro de 2007
quinta-feira, 29 de novembro de 2007
Magoa ver a magnólia cair. Acredita.
O relâmpago vem
sobre ela. A tempestade.
As plantas são tão frágeis como as cabanas dos homens.
Somos muito frágeis os dois neste poema
com o relâmpago, a cabana, com a magnólia aos ombros
sem nenhum terreno pulmonar intacto
para depois de nos olharmos um de nós dizer
plantêmo-la aqui-aqui
é o meu pulso,a minha boca
é a retina com que procuras, é a madeira da porta
com que te fechas em casa. Prometo-te
eu nunca vou fechar os olhos
as mãos.
Daniel Faria
terça-feira, 27 de novembro de 2007
Pretextos para sair do real
A uma luz perigosa como água
De sonho e assalto
Subindo ao teu corpo real
Recordo-te
E és a mesma
Ternura quase impossível
De suportar
Por isso fecho os olhos
(O amor faz-me recuperar incessantemente o poder da
provocação. É assim que te faço arder triunfalmente
onde e quando quero. Basta-me fechar os olhos)
Por isso fecho os olhos
E convido a noite para a minha cama
Convido-a a tornar-se tocante
Familiar concreta
Como um corpo decifrado de mulher
E sob a forma desejada
A noite deita-se comigo
E é a tua ausência
Nua nos meus braços
Experimento um grito
Contra o teu silêncio
Experimento um silêncio
Entro e saio
De mãos pálidas nos bolsos
Assobio às pequenas esperanças
Que vêm lamber-me os dedos
Perco-me no teu retrato
Horas seguidas
E ao trote do ciúme deito contas
Deito contas à vida.
Alexandre O'neill
sábado, 24 de novembro de 2007
Se soubessemos esperar a invisibilidade do corpo
com a paciência e elegância das flores,
talvez um dia nos tivesse bastado
um dia impossível
em que pudéssemos encontrar
um outro lugar, que não o mundo
- uma tela excessivamente nua.
Lembras-te como Oriente era a estação
mais florida de todo o ano?
Se ao menos não nos tivessemos tocado
- não duma forma tão incendiária
talvez ainda restassem palavras
onde pousar o silêncio dos lábios.
sexta-feira, 23 de novembro de 2007
3 poemas de Paulo Leminski
Eu ontem tive a impressão
Eu ontem tive a impressão
que deus quis falar comigo
não lhe dei ouvidos.
Quem sou eu pra falar com deus?
ele que cuide dos seus assuntos
eu cuido dos meus
*
Acordei bemol
Acordei bemol
tudo estava sustenido
sol fazia
só não fazia sentido
*
Lápide 1
Aqui jaz um grande poeta.
Nada deixou escrito.
Este silêncio, acredito,
são suas obras completas.
terça-feira, 20 de novembro de 2007
Bolero do coronel sensível
Eu que me comovo
Por tudo e por nada
Deixei-te parada
Na berma da estrada
Usei o teu corpo
Paguei o teu preço
Esqueci o teu nome
Limpei-me com o lenço
Olhei-te a cintura
De pé no alcatrão
Levantei-te as saias
Deitei-te no banco
Num bosque de faias
De mala na mão
Nem sequer falaste
Nem sequer beijaste
Nem sequer gemeste,
Mordeste, abraçaste
Quinhentos escudos
Foi o que disseste
Tinhas quinze anos
Dezasseis, dezassete
Cheiravas a mato
À sopa dos pobres
A infância sem quarto
A suor, a chiclete
Saíste do carro
Alisando a blusa
Espiei da janela
Rosto de aguarela
Coxa em semifusa
Soltei o travão
Voltei para casa
De chaves na mão
Sobrancelha em asa
Disse: fiz serão
Ao filho e à mulher
Repeti a fruta
Acabei a ceia
Larguei o talher
Estendi-me na cama
De ouvido à escuta
E perna cruzada
Que de olhos em chama
Só tinha na ideia
Teu corpo parado
Na berma da estrada
Eu que me comovo
Por tudo e por nada
António Lobo Antunes
domingo, 18 de novembro de 2007
sexta-feira, 16 de novembro de 2007
3 poemas de Fernando Assis Pacheco
A bela do bairro
Ela era muito bonita e benza-a Deus
muito puta que era sempre à espera
dos pagantes à janela do rés-do-chão
mas eu teso e pior que isso néscio desses amores
tenho o quê? quinze anos
tenho o quê uns olhos com que a vejo
que se debruçava mostrando os peitos
que a amei como se ama unicamente
uma vez um colo branco e até as jóias
que ela punha eram luzentes semelhando estrelas
eu bato o passeio à hora certa e amo-a
de cabelo solto e tudo não parece
senão o céu afinal um pechisbeque
ainda agora as minhas narinas fremem
turva-se o coração desmantelado
amando-a amei-a tanto e sem vergonha
oh pecar assim de jaquetão sport e um cigarro
nos queixos a admiração que eu fazia
entre a malta não é para esquecer nem lá ao fundo
como então puxo as abas da farpela
lentamente caminho para ela
a chuva cai miúda
e benza-a Deus que bonita e que puta
e que desvelos a gente
gastava em frente do amor
*
Chula das fogueiras
Amor amor meu big amor
eu dizia shazam e tu não me ligavas
pus Mandrake a seguir-te hábil nos truques
e tu não me ligavas
em qualquer planeta verde a avançadíssimo
tu não me ligavas
estendi o meu braço Homem de Borracha até S. Martinho do Bispo
e tu não me ligavas ponta nenhuma
tu querias era casar na Sé Nova
branquingénua abusar do meu livre alvedrio
fiz-te pois um manguito do tamanho dum choupo
e cá estou pai de filhos um bocado estragado
mas não por tua causa que já não existes
ó sombra de sombra à esquina da farmácia
*
Sento-me na tua ternura
Sento-me na tua ternura. A chuva cai,
olhas-me tão fundo que de repente
sou de vidro, cuidado, vou quebrar!
Acaba triste o mês de Maio, perto.
E estás no Maio triste, na chuva e no vento,
a tua ternura quer matar-me.
Quem sabe, amor, onde o amor se fere?
quarta-feira, 14 de novembro de 2007
terça-feira, 13 de novembro de 2007
domingo, 11 de novembro de 2007
sábado, 10 de novembro de 2007
3 poemas de Carlos Nejar
Aqui ficam as coisas
Aqui ficam as coisas.
Amar é a mais alta constelação.
Os sapatos sem dono
tripulando
na correnteza-espaço
em que deitamos.
As minhas mãos telhado
no teu rosto de pombas.
Os corpos
circulando
na varanda dos braços.
É a mais alta constelação.
***
Claridade
O barulho de existir:
um cão
dentro de mim.
Atravesso
como a um pátio
o barulho de existir.
***
I
Escrever a dor
sem revolver o fogo,
a envelhecida cinza.
O que pode o amor
com os dons aprisionados?
Escrever
a ferocidade das coisas.
quarta-feira, 7 de novembro de 2007
terça-feira, 6 de novembro de 2007
A meio da tarde não sei porquê quando mais cadeiras se arrastam
nos ladrilhos e há mais pessoas no pequeno café isolado na vizinhança do mar
e eu a bem dizer já não sei que fazer das minhas duas mãos
e dou graças a deus por serem não mais que duas porque senão
é que não saberia mesmo o que fazer das mais ou menos a meio da
tarde quando a dois passos já há um centro de sombra e
há a minha pena de que haja vento e haja muitos dias à sombra
talvez por me faltar já a segurança do sol pouco antes imóvel
pairando no alto sobre a cal calma das casas sobre as folhas
mais largas dos plátanos reúno os papéis dispersos na mesa pago os cafés
diversos que fui tomando e dirijo-me com um profundo encolher dos ombros
apressadamente para casa.
A penumbra interior da casa o facto de a essa hora não haver
ninguém em casa a convicção de que o sol já deve ter dado a volta
a uma sombra redonda
rodeará a mesa junto à janela onde costumo escrever
a incidência muito particular da luz a meio da tarde eis aí outros
tantos factores susceptíveis de explicar pelo menos em parte
ou pelo menos na medida em que uma coisa se pode explicar
que eu caminhe para casa e pense que me devo sentir então bem em casa.
Gosto de entrar e de mal entrar logo começar a lavar os dentes
e de os lavar como se ao lavá-los eu lavasse mais do que os dentes
ou fizesse outra coisa que não lavá-los pensando talvez numa coisa
qualquer que não existirá não só para além do espelho que tenho
na frente como nem sequer na vida que outrora também tinha quase toda
na frente e agora se perde quase toda nas minhas costas como coisa que nunca vi
ou não é visível no espelho ou pelo menos não vejo no espelho
porque a verdade é que nem mesmo vejo o espelho e só daria bem pelo
espelho no momento em que o tirassem e fosse tarde demais para eu dar bem
por ele.
As coisas em que penso não existirão muitas vezes talvez a não ser
no meu pensamento ou então o meu pensamento modifica-as dá-lhes
possivelmente uma forma diferente da que têm ou terão na realidade como por
exemplo aquela mulher que há tanto tempo amei que nem mesmo sei bem se a
amei e que a noite passada enquanto eu dormia e vivia essa vida intermédia
dos sonhos emergiu de repente sem mais nem menos como uma mulher irresistível para mim
para mais manietado pelo sono da superfície aquática do sonho
e sobressaiu entre as demais coisas porventura mais ou menos sonhadas
e deixou uma esteira indelével e nítida na minha memória como um
apelo cavo e prolongado mesmo depois de eu ter acordado esteira
só dispersa a meia manhã
quando já outras pessoas e outros apelos quase por completo ocupavam
o território movimentado e confuso como uma feira da minha vida
da única vida que vivo e não é mais que estas coisas que faço
ao longo do dia nos campos no café ou principalmente aqui em casa
onde agora lavo os dentes como se nunca antes tivesse lavado os dentes.
Lavo os dentes e descubro imensas coisas enquanto os lavo e decerto
lavaria muitas vezes os dentes ao dia se antecipadamente soubesse que
descobriria
tantas coisas como agora descubro e não são os dentes nem as gengivas
nem qualquer destas coisas das quais aliás falo só por falar
através de palavras que deito para trás das costas como a vida que vivi
e se perderão para mim exactamente como essa vida palavras que nem
mesmo conseguirei
ver no espelho onde aliás nada vejo a não ser as gengivas e os dentes
e a boca aberta de um homem que lava contente os dentes
ou pelo menos os lava como uma forma de estar à tarde sozinho em casa
e se sente bem sozinho e gosta moderadamente de estar em casa
pelo menos porque assim não está no café onde a essa hora
há mais pessoas e há o ruído de muitas cadeiras e onde se então estivesse.
O mais certo seria sentir o desejo de se levantar e ir para casa
talvez porque já não sabe o que há-de fazer das mãos
ou porque o sol deu a volta à casa e deixou na sombra e no silêncio
da tarde
a mesa redonda junto à janela onde costuma escrever
como se porventura escrever fosse mais alguma coisa do que escrever
ou porque pode lavar os dentes com a convicção estritamente suficiente
para lavar os dentes num gesto curto do braço curvo
em casa à tarde sozinho com uma tarde não sabe bem porquê
um pouco mais lá fora nos campos que ali dentro de casa
com a maior parte da vida já atrás das costas
com um certo número de palavras como a vida deitadas para trás
das costas
e deitar palavras para trás das costas fosse alguma coisa como semear
meter em andamento através do campo lavrado a mão na serapilheira
dependurada do ombro esquerdo tirar ritmadamente um punhado de
semente
e espalhar a semente ao vento nos sulcos antes abertos pela charrua
como se deitar palavras para trás das costas que é afinal o gesto de quem
escreve fosse pelo menos lavar os dentes.
Não queiram saber quem sou
ou se porventura alguém por curiosidade ou forma de passar o tempo
quiser alguma vez saber quem sou que veja como lavo os dentes
e que estou tanto nessa lavagem dos dentes como toda a pessoa que
lava os dentes sozinha em casa a uma certa hora da tarde
na casa em sombra
Ruy Belo
domingo, 4 de novembro de 2007
O samba taí
Seu Jorge é, hoje em dia, um dos melhores compositores e uma das melhores vozes do Brasil.
Depois dos excelentes álbuns " Samba esporte fino" e "Cru", Seu Jorge anda
por terras lusitanas a apresentar o novíssimo " América Brasil".
É muito bom astral...
(para já fica um video do álbum "Samba esporte fino", uma vez que do novo ainda não há nada disponível)
sábado, 3 de novembro de 2007
Glossário de transnominações em que não se explicam algumas delas (nenhumas) ou menos
Poesia, s. f.
Raiz de água larga no rosto da noite
Produto de uma pessoa inclinada a antro
Remanso que um riacho faz sob o caule da manhã
Espécie de réstia espantada que sai pelas frinchas de um homem
Designa também a armação de objetos lúdicos com empregos de palavras imagens cores
sons etc. geralmente feitos por crianças pessoas esquisitas loucos e bêbados
Poeta, s. m. e f.
Indivíduo que enxerga semente germinar e engole céu
Espécie de uma vazadouro para contradições
Sábia com trevas
Sujeito inviável: aberto aos desentendimentos como um rosto
Sol, s. m.
Quem tira a roupa da manhã e acende o mar
Quem assanha as formigas e os touros
Diz-se que:
se a mulher espiar o seu corpo num ribeiro florescido de sol, sazona
Estar sol: o que a invenção de um verso contém
Árvore, s. f.
Gente que despetala
Possessão de insetos
Aquilo que ensina de chão
diz-se de alguém com resina e falenas
Algumas pessoas em quem o desejo é capaz de irromper
sobre o lábio, como se fosse a raiz de seu canto
Apêndice:
Olho é uma coisa que participa o silêncio dos outros
Coisa é uma pessoa que termina como sílaba
O chão é um ensino.
Manoel de Barros
quarta-feira, 31 de outubro de 2007
Check for pulse
domingo, 28 de outubro de 2007
sábado, 27 de outubro de 2007
quarta-feira, 24 de outubro de 2007
terça-feira, 23 de outubro de 2007
segunda-feira, 22 de outubro de 2007
sábado, 20 de outubro de 2007
quinta-feira, 18 de outubro de 2007
3 poemas de João Luís Barreto Guimarães
Trinta
Hoje aconteceu-me mais um cabelo branco
(não sei se tinhas dado com este:)
fica
mesmo ao lado da risca entre os
vinte e nove e
os trinta. O
dia de amanhã já existe ora
(a hora nas agendas)
lembra uma camisa limpa que
drapeja ao secar
(cada dia que me aceita
propõe
novo recomeço).
Todos temos uma alma gémea
frente ao espelho
tinha feito 15 anos
(hoje acatei outros quinze)
foi sempre no gesso da idade
que
assinei o poema.
*
1 de Fevereiro
A mesa do casal de idosos guarda agora apenas um.
Está vestido de negro, e eu não consigo evitar a imagem da mulher,
sentada ainda a seu lado, servindo-lhe chá e torradas
ou aparecendo atrasada repetindo como há anos o fiel toque de lábios,
desculpando-se num sorriso pela demora na quermesse.
Agora é apenas ele quem cumpre o ritual das torradas
que barra e pousa num prato à frente do fantasma dela.
Alguém lhe vai ter que dizer que ela já foi à frente.
Alguém lhe vai ter que lembrar que ele é quem está atrasado.
*
4 de Abril
Um pingo de café desliza pela base da chávena
e cai sobre o papel onde escrevo.
Acidente de trabalho.
quarta-feira, 17 de outubro de 2007
domingo, 14 de outubro de 2007
Há alguém que escreve
ao fundo da casa.
Escreve com o corpo
intumescido de medo.
Está à espera
da loucura sob o peso
pungente da noite.
O silêncio devora-lhe
a boca.
Protege-se com as mãos dolorosas
com que trabalha o poema
e move-se como um corpo
que há muito desaprendeu
a luz.
Está ao fundo da casa
como uma lâmpada apagada
e escreve
como um abismo em
exsudação.
sexta-feira, 12 de outubro de 2007
quinta-feira, 11 de outubro de 2007
quarta-feira, 10 de outubro de 2007
Se o fogo destruir a casa
e apagar a cal que caia a casa
onde irei escrever o teu nome?
E se não escrever o teu nome
como direi a alegria ao mundo?
Ainda que vigie como um sistema de alarme
e encha a minha boca com sirenes
como direi na minha casa em chamas
que és a única luz?
O chão carbonizado é a erosão do meu destino
respeito o luto e não vou abrir caminhos:
mas se tu és também o incêndio
como não rebento na cinza?
E se o fogo destruir o homem que caia a casa
e apagar o coração
como explicarei aos sem abrigo
o teu auxílio?
O relento não pode vergar-me
porque sou mais resistente do que o hissope:
mas se o fogo consome o sopro que me mantém de pé
que chama porei na fronte quando o teu anjo vier?
Daniel Faria
"Homens que são como lugares mal situados"
terça-feira, 9 de outubro de 2007
segunda-feira, 8 de outubro de 2007
sábado, 6 de outubro de 2007
Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos todos assistir a despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão subtil... tão pólen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...
José Gomes Ferreira
quarta-feira, 3 de outubro de 2007
segunda-feira, 1 de outubro de 2007
1.
Acordei com as narinas a sangrar um perfume
como um santo quando acaba de morrer
e debrucei-me para dentro
para encontrar o golpe no sono.
Encontrei uma mulher sentada entre os pássaros
que quebrava vasilhas de barro.
Disse-lhe: bebe do meu sangue.
E ela rasgou-me as veias com cacos
e deu de beber aos pássaros.
2.
Acordei também com os pássaros
e estudei a posição em que os bordava
nos seus vestidos
e disse: para que lhes espetas a agulha no coração
e ela respondeu: para que aprendam a direcção do voo
3.
Ela pôs-me o dedal sobre os olhos
um vaso pequenino com que me ministrou o sono
apagou em mim os instintos da caça.
Estou ferido nas narinas e nos pulmões,
digo-lhe: sufoco.
Ela ordenou que os pássaros batessem as asas
e fez circular o ar.
4.
Acordei dentro do poço
do ar
e soube que podia respirar dentro da água
porque a mulher estava cercada de peixes.
Disse-lhe: porque quebras aquários contra os joelhos?
Ela mastigava e não me respondeu,
estendeu a mão e deu-me um vidro a provar.
5.
Trinquei o vidro e ouvi o coração da mulher estalar:
a mulher era uma ilha de todos os lados
na sua força de redemoinho parado.
6.
Ela sorveu-me o sangue, curou-me a boca,
espetou-me um anzol na língua e puxou-me
as palavras.
foi então que pensei que ia morrer
afogado.
7.
Acordei dentro desse pensamento como um homem salvo
com a boca cheia de búzios em forma de palavras.
soube que era possível respirar dentro das palavras
porque vi a mulher pôr as mãos sobre os ouvidos.
Ela estava no meu pensamento e tinha um pequeno tear.
8.
E eu disse à mulher: destece-me
até que alguma coisa me pense para dentro
como se alguém me chamasse
como se badalasse um sino ao redor
dentro de mim.
A mulher pôs-se à escuta: perdi o fio - disse-
dos teus novelos.
9.
Assemelhei-me a um xilofone de silêncio
a um estrondo muito forte que só se ouvia em silêncio.
Gritei: então canta!
Ela pegou na minha tristeza e começou a dobar.
10.
Debrucei-me sobre a meada estreita, o estreito poço
e disse: é agora que vou descer.
Acordei no meio da descida e pensei:
ah, quem dera a mulher lançasse a sua trança
a prumo.
Daniel Faria
Homens que são como lugares mal situados
Espaços perdidos
sexta-feira, 28 de setembro de 2007
quarta-feira, 26 de setembro de 2007
Como se eu fosse um vinho
e tu abrisses os pulsos para me libertar
como se náufrago, sonhasse na tua carne
a firmeza da terra adiada.
como se o voo dos pássaros pairasse aceso
sobre os ramos do teu cabelo
até que as suas asas delirantes
pernoitassem nos teus olhos.
como se eu me rasgasse
na tua mão, e repleto
entrasse em ti como num jardim
como se hoje apenas eu
dançasse na areia movediça
da tua boca.
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